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António Nabias

Presentation - BreadMatters II, Lisboa, Portugal

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DO GRÃO À FARINHA: O Moinho

Entre a eira e o forno existe uma tarefa importante que passa pelo moinho e pelo moleiro.

Pretende-se, agora, fazer uma reflexão sobre um importante percurso do ciclo do pão numa perspectiva museológica, onde pontificam os objectos (património móvel e imóvel) e as memórias que é necessário inventariar, preservar, estudar, reutilizar e divulgar. Hoje, são poucos os museus locais que não apresentem património associado à molinologia (ex. Ecomuseu Municipal do Seixal, Colecção Museológica da Aldeia da Ponte, no Sabugal, e Museu das Tecnologias Rurais do Município de Oliveira de Frades1). Pois os moinhos (de água e de vento) ocuparam uma posição importante na vida material e social das comunidades rurais e urbanas e adquiriram uma linguagem técnica própria.

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Moinho de Maré de Corroios, no Seixal

Assiste-se ao desaparecimento ou substituição da paisagem humanizada tradicional dos montes e colinas (moinhos de vento), dos vales e margens dos rios (moinhos e azenhas) e dos esteiros e estuários dos rios (moinhos de maré). Perdem-se estes monumentos que, na sua maioria, datam da Idade Média. Assiste-se a uma morte lenta, porque deixaram de ter uma função.


1. Sistemas de moagem tradicional. Desde o almofariz, a pia, o pio, o moinho de mão, a moinhola, a atafona, accionada em seco ou a sangue, isto é, por animais (bois, vacas, burros, mulas ou cavalos) até aos moinhos de água (de roda horizontal e de roda vertical, moinhos de maré) e de vento.

Moinho: «máquina de moer o grão em farinha, dando-lhe o movimento o peso, ou força de água corrente, ou o vento» (R Bluteau).

O maquinismo geral envolve um conjunto de elementos: desde a caleira de água, o cubo, a rela, roda hidráulica com pás, o rodízio (roda de penas, onde a água bate), as mós (dormente ou pouso e movente ou andadeira) até à moenga (receptáculo do grão: trigo, milho, centeio ou outro cereal), a telha (canal de madeira), tremedeira ou taramela, chamadouro, olho da mó, aliviadouro, pejadouro…


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Moinho de rodízio vertical, em ruínas. Oliveira de Frades

2. O moleiro: - «o que mói trigo» (R Bluteau). A qualidade da farinha deve muito ao saber e experiência do moleiro. Executa uma tarefa muito diversificada: desde a limpeza dos cereais, a selecção das mós segundo o tipo de cereal: para o trigo, as alveiras ou tigueiras; para o milho, centeio, cevada, aveia, milho miúdo, painço, as negreiras, segundeiras, orgureiras ou borneiras.

Ao moleiro cabe também a função de picar as mós (rolo, cunha, alavanca, burro, descanso da mó, grade, picadeira, picões, picola…) e toda a arte da farinação.

Tornou-se uma figura popular pelas suas práticas sobretudo as que estão ligadas à maquia. Usavam uma medida própria - o cacifo ou cacifro - quantidade da maquia (maquia é uma medida de grãos e farinhas e também «a porção que os moleiros tiram da farinha, e os lagareiros, do azeite que fazem para outrem» - (R Bluteau) que lhe pertencia por cada alqueire de pão (milho ou trigo). «Foi sempre alvo de zombaria popular», como afirma J. Leite de Vasconcellos.

«O moleiro tira o seu maquieiro;
Lá vem a mulher, que tira o que quer;
Lá vem a filha Maria, que tira a sua maquia;
Depois vem o criado, que diz que ainda não está maquiado.
»
(Durrães)

O freguês ficava, assim, com pouca farinha e afirmava-se, então: Quando um moleiro morre, morre um ladrão.

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Moinho de rodízio vertical, em Leiria

3. As medidas (alqueire, rasa, taleiga… sacos, cestos, tulhas…


4. O transporte do grão e da farinha: às costas do homem (taleiga); o burro; a carroça puxada pelo burro; a embarcação: "o rio que leva os grãos" (Tejo, Sado).


5. O desenvolvimento comunitário: desde o moinho ao forno comunitário. Em muitas aldeias portuguesas existiram moinhos comunitários ou partilhados por vários proprietários. Estamos perante práticas comunitárias e formas de parceria que devem ser estudadas e divulgadas.

1 Só para citar museus onde o autor deste texto esteve envolvido.

©   António Nabais - SÍTIO, Nazaré, Setembro de 2003.

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